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Postagens

Repensando a formação: a psicanálise entre certificados e singularidade.

Vivemos em uma era marcada pela ansiedade do saber instantâneo, em que a psicanálise foi capturada pelo ritmo frenético dos mercados digitais. Tornou-se mercadoria: ofertada em cursos relâmpago e banners publicitários que prometem desvendar, em poucas horas, os mistérios de Freud ou a arte da escuta — como se fossem receitas prontas e universais. Não é o digital em si que adoece, mas a lógica da superficialidade, da voracidade e do consumo rápido aplicada ao que deveria ser, por excelência, experiência e encontro. Na contramão da tradição psicanalítica — que não se faz sem tempo, silêncio e transmissão ética — assistimos a um movimento de colonização do desejo de saber. Os mais velhos, muitas vezes, ao invés de abrigarem e sustentarem o percurso formativo dos mais novos, impõem padrões, excessos e disputas conceituais. Confinam a transmissão da psicanálise à reprodução de fórmulas, sufocando aquilo que lhe é mais vital: a singularidade do sujeito e o risco criativo do pensar. Nesse cen...
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O prazer imediato nos faz mais vazios.

O prazer imediato proporcionado pela hiperconexão digital, como descrito na imagem, pode ser compreendido pela psicanálise contemporânea como manifestação de uma tentativa de evitar o vazio existencial. Freud descreveu o princípio do prazer como uma busca constante por satisfação, mas ponderou que a realização imediata frequentemente não é suficiente para promover o bem-estar psíquico. Cada curtida ou notificação gera uma descarga de dopamina, traduzida em pequenas satisfações momentâneas, mas não possibilita a elaboração de desejos mais profundos, deixando o sujeito em um ciclo constante de busca e frustração. Sob a perspectiva de Lacan, essa dinâmica pode estar relacionada à ilusão de completude que o sujeito atribui ao objeto fornecido pelas interações digitais. Ao buscar validação instantânea no olhar do outro, representado pelas curtidas e mensagens, o sujeito evita lidar com sua falta estrutural – aquilo que nunca pode ser plenamente preenchido. No entanto, essa tentativa de tamp...

O que acontece com nossa atenção na era digital?

A era digital trouxe profundas transformações na forma como nossa atenção é mobilizada e capturada por dispositivos tecnológicos. Sob a ótica da psicanálise contemporânea, esse fenômeno pode ser interpretado como uma reconfiguração dos investimentos libidinais no campo do que Freud denominou como atenção flutuante, um dispositivo psíquico central para processar estímulos do ambiente. A multiplicidade de notificações e estímulos fragmenta nosso campo atencional, dificultando a capacidade de introspecção e de sustentação de um foco prolongado, que é essencial para o funcionamento psíquico saudável. O sujeito digital se vê em uma constante busca por discursos externos que muitas vezes desviam sua energia do trabalho interno e da elaboração de conflitos inconscientes. Lacan, por sua vez, nos ajuda a interpretar como a demanda incessante por validação social nas redes eletrônicas se conecta ao desejo de ocupar um lugar no discurso do Outro. Nesse contexto, cada curtida, notificação ou inter...

A era da hiperconexão: como a tecnologia afeta nossa mente?

A era da hiperconexão trouxe um novo cenário para a maneira como nos relacionamos com o mundo e com nós mesmos. Sob a luz da psicanálise contemporânea, percebe-se que a tecnologia exerce um papel duplo, atuando como um facilitador de conexões e, ao mesmo tempo, como um potencial gerador de alienações. O sujeito contemporâneo encontra-se cada vez mais solicitado a lidar com um excesso de estímulos e informações, o que pode impactar sua capacidade de mediar desejos e pulsões inconscientes. Para Freud, o aparelho psíquico opera pelo princípio do prazer e da realidade; neste contexto hiperconectado, a gratificação rápida oferecida por dispositivos tecnológicos desafia constantemente o equilíbrio necessário para a elaboração de frustrações e limites. Além disso, o conceito de “inibição, sintoma e angústia” discutido por Freud ganha nova roupagem neste cenário. A interação constante por meio de plataformas digitais pode funcionar como uma espécie de defesa frente à angústia da solidão e do v...

Apodrecimento cerebral e a era da hiperconexão: um convite à reflexão e ao cuidado com a mente.

  Vivemos em tempos acelerados, onde o deslizar de um dedo na tela parece conduzir n ã o apenas nossos dias, mas tamb é m nossos pensamentos. O fen ô meno que muitos chamam de  Brain Rot  – esse “apodrecimento cerebral” metaf ó rico – n ã o  é  apenas uma consequ ê ncia da tecnologia, mas um reflexo de uma sociedade que se alimenta de est í mulos incessantes e superficiais. O paradoxo  é  evidente: nunca fomos t ã o conectados, mas nunca estivemos t ã o desconectados de n ó s mesmos e dos outros. A busca incessante por prazer imediato  é sedutora. Pequenos fragmentos de dopamina s ã o liberados a cada curtida, a cada meme, a cada v í deo que nos faz rir por poucos segundos. Contudo, esse prazer fugaz traz consigo uma armadilha: ele n ã o nos preenche, mas nos deixa ainda mais vazios, como quem tenta saciar a sede com  á gua salgada. Freud, ao propor o princ í pio do prazer, j á  intu í a essa din â mica; buscamos evitar a dor e alcan ç a...

O carnaval como metáfora dos ciclos da experiência humana na psicanálise

O carnaval é uma festividade que marca o início e o término de um ciclo na cultura brasileira. Mas o que esse ciclo significa do ponto de vista psicanalítico? Este texto explora como a psicanálise, ao desbravar os profundos meandros da mente humana, fornece uma lente única para compreendermos a metáfora do início e término do carnaval como ciclos da experiência humana. Para Freud, o fundador da psicanálise, a mente humana é composta por três instâncias: o id, o ego e o superego. O id é a parte mais primitiva e inconsciente da personalidade, que busca a satisfação imediata dos impulsos biológicos e psíquicos, seguindo o princípio do prazer. O ego, por sua vez, é a parte racional e consciente da personalidade, que busca o equilíbrio entre os desejos do id e as exigências da realidade externa, seguindo o princípio da realidade. Finalmente, o superego é a parte moral e crítica da personalidade, que representa os valores e normas sociais internalizados pelo indivíduo. O carnaval pode ser vi...

O carnaval, a quarta-feira de cinzas e a dualidade humana.

  O carnaval, com suas explosões de cores, música e dança, apresenta-se como um momento de efervescência cultural, onde a liberdade de expressão e o desejo de transgressão encontram seu palco. Porém, tão significativo quanto a festa é o momento que a sucede: a Quarta-Feira de Cinzas, que marca o fim do carnaval e o início da Quaresma no calendário cristão. Este período de quarenta dias de preparação para a Páscoa é caracterizado por introspecção, penitência e jejum. Essa transição abrupta do profano ao sagrado reflete uma jornada psíquica profunda, que pode ser analisada sob a luz da teoria psicanalítica. A psicanálise, com sua exploração das profundezas insondáveis do inconsciente, oferece uma lente pela qual podemos compreender a dualidade entre o carnaval e a Quarta-Feira de Cinzas. Durante o carnaval, vivenciamos um período em que as restrições superegoicas são temporariamente suspensas, permitindo que os desejos reprimidos do id se manifestem livremente. Essa liberação do prin...